A COMPETÊNCIA MUNICIPAL E O 2º PDDUA

*MARIA ETELVINA GUIMARAENS

A cidade de Porto Alegre, desde meados de 1993, vem preparando-se para a elaboração de um novo Plano Diretor. Criou-se o projeto "Porto Alegre Mais - Cidade Constituinte", onde a comunidade, instituições e sociedade, num processo amplo de discussão sobre a cidade, definiu as expectativas e desejos quanto ao seu futuro, bem como apontou os caminhos a serem trilhados.

Vários foram os encontros e palestras envolvendo personalidades de notório conhecimento e atuação no campo do urbanismo e planejamento, que vieram das mais variadas localidades, nacionais e internacionais, trazendo em sua bagagem um rico acervo de experiências e sugestões. Realizou-se, ainda, dois Congressos da Cidade. O primeiro em 1993 e o segundo em 1995, com ampla participação, tendo sido votadas as diretrizes para a cidade e para a reformulação do Plano Diretor. As conclusões nortearam a segunda etapa do trabalho, com oficinas, onde também participaram, como consultores, a Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, através dos seus programas de Pós-Graduação, e a Faculdade Latino Americana de Ciências Ambientais (FLACAM).

O processo, porém, não encerrou-se. Ao contrário. Tanto no Legislativo, como no Executivo e na sociedade civil, a matéria seguiu em constante debate, o que fez com que fosse retomada a discussão. Todavia os objetivos e pressupostos da nova lei permanecem os mesmos, quais sejam, a criação de um Sistema de Gestão da cidade, participativo e dinâmico; a introdução de instrumentos de incentivo e de indução ao cumprimento da função social da cidade e da propriedade urbana; a simplificação da lei, dentre outros.

Assim, a matéria, foi dividida em quatro partes distintas (Parte I - Do Desenvolvimento Urbano Ambiental; Parte II - o Sistema de Planejamento; Parte III - Plano Regulador; Parte IV - Disposições Finais e Transitórias), às quais, futuramente, se somarão outras referentes aos planos setoriais (Plano de Transporte, Plano de Saneamento etc), que integrarão, igualmente, o 2° Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental.

A primeira parte apresenta os Princípios, Estratégias e Modelo Espacial do 2° PDDUA, atinentes ao desenvolvimento urbano ambiental como um todo. Saliento a identificação, nos primeiros artigos do projeto, como princípios basilares, o cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana e a incorporação do enfoque ambiental de planejamento na definição do modelo, previsto no artigo segundo. As estratégias, elencadas no artigo 3º e desenvolvidas em capítulos próprios, visam justamente o cumprimento dos princípios indicados, como não poderia deixar de ser. Por último, nesta primeira parte, é proposto o Modelo Espacial, o qual apresenta a cidade dividida em duas grandes áreas, quais sejam a Área de Ocupação Intensiva e a Área de ocupação Rarefeita, refletindo a realidade existente.

A identificação de que a cidade de Porto Alegre, em sua totalidade, é urbana resulta da verificação de que, em toda a extensão, as relações têm tal característica. A existência de ocupações de caráter urbano disseminadas por toda a área hoje identificada como rural, dá conta de tal realidade. A disponibilidade dos serviços e de uma malha de equipamentos urbanos é outro fator determinante. Verifica-se que a competência e atribuição do Município para tal delimitação decorre diretamente do disposto no artigo 30 da Constituição Federal, qual seja, para legislar sobre assuntos de interesse local (inciso I) e promover o adequado ordenamento territorial, mediante o planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (inciso VIII).

Estabelece, ainda, a Constituição Federal, no Capítulo "Da Política Urbana", em seu artigo 182 que:

"A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor."

Inegavelmente, portanto, a identificação dos limites da área urbana e rural enquadra-se em tal hipótese. É interesse local, porque, justamente, esta delimitação vai definir o alcance dos serviços urbanos e locais. No caso de Porto Alegre, como já se disse, os serviços colocados à disposição são urbanos e municipais. É imperativo, desta forma, a adequação legal ao caso concreto, caso contrário o Município, que presta os serviços, não fiscaliza ou legisla.

É importante salientar que a extensão da zona urbana não significa a ampliação da ocupação intensiva. Ao contrário, a proposta apresentada determina rigidamente a ocupação, negando a possibilidade de parcelamentos do solo na forma de loteamento, salvo disposição legal, e estabelecendo dispositivos extremamente restritivos no que se refere aos dispositivos de controle. Além disso, a existência de Áreas de Proteção ao Ambiente Natural em toda a cidade, seja em área de ocupação intensiva ou de ocupação rarefeita, demonstram o enfoque ambiental do projeto.

Convém referir que a Constituição Federal, ao delimitar as competências dos entes da Federação, estabeleceu "faixas" de atuação. Em matéria urbanística, nos termos do art. 21, inciso XX, à União compete definir as normas e diretrizes gerais ( "instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos") e, nos termos do artigo 24, inciso I c/c §1°, editar normas gerais sobre urbanismo. Isto porque o §1º esclarece que, no âmbito da legislação concorrente, cabe à União estabelecer as normas gerais, as quais poderão ser editadas pelos Estados na ausência de Lei Federal. Aos Estados definiu competência para legislar sobre urbanismo, já que a matéria está arrolada onde a competência é concorrente - sendo que a norma geral é atribuição da União (§1°) e a predominância do interesse local é resguarada ao Município (inciso I do art. 30) - se restringindo ao estabelecimento de normas gerais, na ausência de lei federal, e normas regionais.

Como se vê, o Plano Diretor é exatamente o instrumento para a definição da função social da cidade e da propriedade. A alteração dos limites da área urbana, assim, além de ser sua competência do Município, é sua atribuição.

A segunda parte cria o Sistema Municipal de Gestão do Planejamento, o Conselho de Desenvolvimento Urbano Ambiental, suas estruturas, atribuições e competências, descreve os instrumentos do Plano, inserindo os mecanismos de participação e de gestão de informação e de avaliação de do desempenho urbano - e, ainda, de intervenção no solo urbano.

Como se vê, nesta parte, a proposta altera e atualiza a estrutura de planejamento, levando em consideração as diretrizes de desenvolvimento urbano previstas na Lei Orgânica, visando a estruturação do Município a fim de cumpri-las. Evidencia-se a administração participativa, em face das alterações nas atribuições, competência e composição do Sistema e do Conselho, que deixa de ser um órgão de apreciação de processos, para assumir a posição de canal de participação da sociedade na gestão pública. O Conselho, por exemplo, deixa de ser o "Conselho do Plano" para se tornar o "Conselho de Desenvolvimento Urbano".

Salienta-se, ainda, a criação do Sistema de Informações - ferramenta indispensável à agilidade da estrutura e democratização da decisão - e do Sistema de Avaliação do Desempenho Urbano, de relevante importância face ao caráter que assume o 2° PDDUA. É pressuposto, destarte, o constante acompanhamento e monitoramento do desempenho dos instrumentos, a fim de incentivar a consecução dos objetivos propostos e evitar situações indesejáveis.

Identificam-se, ainda, os instrumentos de intervenção no solo urbano, onde se encontram instrumentos novos (como os Projetos Especiais), instrumentos já existentes com algumas adequações (como a atual Transferência do Potencial Construtivo, antiga Reserva de Índice, o Solo Criado e as Áreas Especiais).

A terceira parte (Do Plano Regulador) disciplina o uso e ocupação do solo através das Normas Gerais do Regime Urbanístico. Nesta parte encontram-se, portanto, todas as normas que regulam o que é admitido, aplicáveis, em princípio, a todas as situações, bem como as condições para a implantação das atividades e projetos que, em princípio e segundo as normas gerais, não seriam admitidos. Nesta parte regulam-se o Regime de Atividades, os Dispositivos de Controle das Edificações, as normas referentes ao Parcelamento do Solo. É importante mencionar que os conceitos já aprovados, na Câmara Municipal, referentes ao Solo Criado, Áreas Urbanas de Ocupação Prioritária e Áreas Especiais de Interesse Social são incorporados e regulados.

A quarta parte, finalmente, trata das Disposições Finais e Transitórias, onde se regula a aplicação da lei no tempo e se estabelece a forma de regulamentação e alteração das matérias.

Acompanham o projeto os Anexos, onde se identifica a Divisão Territorial e Regime Urbanístico, os Logradouros isentos de recuo de ajardinamento, as Áreas de Interesse Cultural, as Densidades, o Regime de Atividades, os Índices de Aproveitamento, Solo Criado etc, Regime Volumétrico, padrões para o Parcelamento do Solo, classificação das vias, os dispositivos incidentes sobre garagens e estacionamentos, mapas e diagramas.

Como se vê, o trabalho incide sobre matéria de atribuição e competência municipal, nos termos dispostos na Constituição Federal, artigo 30, incisos I, VIII e IX, observando as normas gerais estabelecidas tanto na esfera Federal e Estadual, como na esfera Municipal, através do atendimento às diretrizes constantes na Lei Orgânica.

*Advogada/ responsável pela redação do texto legal do 2º PDDUA/ Assessora Jurídica do Gabinete do Prefeito.

 

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