DENSIDADE E OCUPAÇÃO DO SOLO
* MARILÚ MARASQUIN
Os estudos e os debates realizados, a partir de 1993, colocaram a densificação como um dos enunciados do Projeto de Reformulação do 1º Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano ( 1º PDDU ). Desta forma, o grupo de trabalho responsável pela "Avaliação da Capacidade de Adensamento" do Município, teve como desafio propor instrumentos, critérios e parâmetros de densificação compatíveis com a diversidade de Porto Alegre. Inúmeros depoimentos têm tratado nos últimos tempos desta questão. Entre estes, o texto de Bill Hillier e Alan Penn com o título "Civilizações Densas: A Forma das Cidades no Século XXI", que destaca as características que deverão assumir as cidades do futuro, chamando a atenção para o fato de que densificar, através de densidades adequadas, será mais importante do que dispersar e espalhar.
Entre os condicionantes da proposta de densificação apresentada pelo 2º Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (2º PDDUA) estavam a necessidade de regulamentar o Solo Criado, respeitando os conteúdos expressos na Lei Complementar 315, aprovada desde 1994, como uma conquista do movimento da Reforma Urbana e, ainda, os princípios mais gerais do Projeto de Reformulação do 1º PDDU que colocavam as necessidades de simplificação, clareza e flexibilidade do novo instrumento legal. Embora proposto como um processo dinâmico, o 1º PDDU de Porto Alegre apresenta um projeto pré-definido de cidade, regulado principalmente através de prescrições referentes ao controle da forma das edificações e à distribuição de atividades. Apesar de conter alguns instrumentos que procuram adequá-lo a novos eventos urbanos pela possibilidade de correções de rumo, esta legislação consolida tendências negativas e reforça desigualdades.
Uma breve consideração sobre as ocorrências dos últimos tempos, a seguir relacionadas explicitam melhor esta questão:
- o crescimento maior do setor informal ou clandestino, num valor correspondente a 4% ao ano, enquanto que no setor formal ou legal é de apenas 1,04% ao ano;
- o adensamento desequilibrado do ponto de vista da utilização da infra-estrutura em valor médio adequado apenas nas áreas mais centrais. Registra-se que em Porto Alegre 80% das Unidades Territoriais de Planejamento (UTPs) previstas pelo 1º PDDU têm menos de 30 economias por hectare e, ainda, que o custo da infra-estrutura por economia, para 20 economias ou 60 habitantes por hectare , é de aproximadamente US$ 4.250,00 por economia, enquanto que para 150 economias ou 480 habitantes por hectare, o valor passa para US 800,00 por economia;
- a previsão de densificações diferenciadas em áreas com características e capacidade de infra-estrutura similares. Este é o caso de eixos estruturadores como o formado pelas avenidas Osvaldo Aranha/ Protásio Alves com 14 códigos diferentes de índices de aproveitamento conforme disposto no Anexo 8 do 1º PDDU;
- a utilização maior dos potenciais construtivos para atividades comerciais e de serviços nas áreas como os Pólos e Corredores previstos pelo 1º PDDU, gerando resultados negativos, pela retração da atividade residencial e pelo uso inadequado da infra-estrutura. Desta forma passaram a ser identificadas ruas desertas à noite e congestionadas durante o dia, com a conseqüente sobrecarga neste período das redes de energia elétrica, água, telefonia e da malha viária;
- associação da idéia de centralidade com a de predominância de atividades comerciais e de serviços, com prejuízos à diversidade dada pela multifuncionalidade. Constatou-se que a rígida localização dos pólos pontuais e do zoneamento predominantemente monofuncional, conforme disposições do 1º PDDU, desconsiderou, como regra geral, a adequação das atividades à dinâmica da cidade.
Cabe salientar, como aspectos relevantes desta temática, a valorização diferenciada dos terrenos com mesmo índice de aproveitamento, fruto de capacidade construtiva diferenciada dada pelos incentivos legais e a questão referente ao controle de estacionamentos. Uma maior liberdade legal de proposição destes estacionamentos nas áreas comerciais e, contrariamente, uma maior limitação nas áreas residenciais, contribuem para agravar ainda mais a carência existente de vagas, em especial nos setores mais antigos da cidade, cujos prédios foram construídos sem este equipamento. Como exemplo destaca-se o setor residencial definido pelas ruas Duque de Caxias, Riachuelo, General Portinho, Washington Luiz e Avenida Borges de Medeiros onde existem, de acordo com informações da Secretaria do Planejamento Municipal, 5.055 apartamentos e apenas 1.141 vagas para estacionamento.
Assim, no momento em que se discute a reformulação do 1º Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano da cidade, a busca de solução para os conflitos detectados constitui-se no desafio consciente de que existe uma variedade de pontos de vista, conceitos e encaminhamentos possíveis, dentro de uma discussão participativa e democrática.
Como aspectos gerais do projeto de reformulação, que têm relação com as questões de densificação, salientam-se:
- garantir uma adequada miscigenação, dada pela diversidade de usos, e uma densificação a custos compatíveis de forma a assegurar a infra-estrutura necessária e, conseqüentemente, a sustentabilidade ambiental da cidade;
- estabelecer parâmetros de adensamento na forma de estoques públicos e privados que permitam o monitoramento constante do crescimento da cidade. Ao conceito de densidade populacional deverão ser incorporados, além dos habitantes fixos, representado pelos moradores, aqueles que representam habitantes transitórios ou pessoas que ocupam postos de trabalho nas diversas áreas da cidade;
- introduzir o projeto como forma de articular o novo e o preexistente, o espaço privado e o público; bem como as interfaces críticas da cidade;
- implantar Sistemas de Avaliação do Desempenho Urbano e de monitoramento como forma de superar a limitação das normas, permitindo que as mudanças necessárias e o acompanhamento do desenvolvimento urbano ocorram de forma qualificada;
- equacionar questões como a da guarda de veículos, como forma de viabilizar a melhoria das condições de circulação urbana, inclusive nas áreas mais antigas.
O controle das densidades populacionais requer critérios e parâmetros diferenciados, principalmente com a introdução dos estoques construtivos públicos representados pelo Solo Criado. É sabido que a cada atividade que se instala na cidade, correspondem valores diferenciados de consumo de infra-estrutura ou serviços públicos, assim como de espaço físico, construído ou não. Também é sabido que para uma mesma atividade o consumo pode ser variável, considerando por exemplo a classe de renda.
Em termos de área construída a baixa renda consome, como média, 8,00 metros quadrados por pessoa, enquanto que as rendas média, média alta e alta consomem, respectivamente, de 25,00 a mais de 100,00 metros quadrados por pessoa na atividade residencial. A cada tipologia de construção residencial podemos relacionar, ainda, aspectos de densidade e qualidade de vida. Assim, como regra geral, maiores densidades requerem tipologias verticais, enquanto que as menores se viabilizam melhor em tipologias horizontais.
A renovação urbana em cada setor da cidade também apresenta características diferenciadas, com variações significativas na idade e estado de conservação dos prédios, existência de um maior ou menor número de lotes vagos e um maior ou menor interesse do mercado imobiliário. Por estas e outras razões, previsões de índices de aproveitamento iguais poderão gerar densidades diferentes em diferentes zonas da cidade. Com todas estas variáveis em jogo se torna muito complexo estabelecer densidades máximas admissíveis por zona.
Os indicadores usuais como o "índice de aproveitamento", a quota ideal mínima de terreno por economia, o número de economias por hectare e a volumetria, não se mostram suficientes, isoladamente, como instrumentos de controle da densidade no lote, se o objetivo fosse atingir a densidade máxima lote a lote. Mesmo que se definissem valores numéricos diferentes para os indicadores por áreas da cidade, os resultados alcançados demonstrariam que, em alguns casos, as definições impostas pela lei levariam a uma homogeneização de formas e usos, restringindo a desejável diversidade entre as partes da cidade.
O índice de aproveitamento traduz com mais clareza a isonomia no valor dos terrenos, se comparado com a quota ideal mínima de terreno por economia ou com o número de metros quadrados por economia. Por outro lado, a quota ideal mínima de terreno, tomada pelo referencial residencial, permite um controle maior da densidade habitacional por padrão sócio-econômico. Quanto ao número de metros quadrados por economia, associado ao índice de aproveitamento, este indicador representa melhor o uso e consumo da infra-estrutura e serviços públicos.
A incorporação do Solo Criado, na forma de estoques públicos por zona, e a utilização ou possibilidade de aquisição destes estoques controlada pela capacidade da edificação em poder atender padrões de ventilação, insolação, iluminação e previsão de vagas para estacionamentos, torna o controle da densificação ainda mais complexo, pois terrenos diferentes terão possibilidades diferentes. Semelhante à miscigenação que não acontece por lote e sim por quarteirão, a densificação não é igual e homogênea no lote. Ao longo do tempo estabelece-se um quadro diversificado de usos e ocupação que, em determinados quarteirões, se aproxima dos valores máximos de densificação previstos, mas que na média da zona ou setor tende a ficar aquém.
A proposta de densificação do 2°PDDUA estabelece três níveis de diretrizes. Num primeiro nível, com o objetivo de orientar as adequações do crescimento das Unidades de Estruturação Urbanas ( UEUs ), fica definido, como diretriz geral, o parâmetro máximo de densificação para a cidade. Por outro lado, num segundo nível, fica estabelecida, como diretriz macro, o patamar máximo das UEUs, com o objetivo de definir o limite máximo de crescimento das mesmas e seu monitoramento. Já no terceiro nível propõe-se a capacidade máxima de construção por lote.
O indicador que estabelece os patamares de densificação máximos para a cidade e para as UEUs é o número de economias por hectare. Este indicador permite relacionar densidades, infra-estrutura e custos. Para definição dos patamares máximos para a cidade foram consideradas as densidades existentes, os custos da infra-estrutura por nível de densificação e a capacidade de crescimento da cidade.
Considerou-se como patamar máximo aquele que melhor representa o custo-benefício de infra-estrutura, ou seja, 160 economias por hectare correspondente a aproximadamente US$ 800,00 por economia, conforme valores expressos no relatório da consultoria prestada pelo Professor Juan Mascaró ao Projeto de Reformulação do 1° PDDU.
O índice de aproveitamento igual a 3,0 é o que na média traduz este nível de densificação. O patamar máximo definido para a cidade funciona como balizador, servindo como parâmetro para tomada de decisão em questões de densidade, não significando, porém, limite de densificação para as diversas UEUs, que terão seus parâmetros próprios nunca superiores ao patamar máximo.
Os níveis máximos de densificação para as UEUs são aqueles resultantes da aplicação dos atuais índices de aproveitamento privados, em atendimento às diretrizes aprovadas pela Câmara de Vereadores, através da Lei Complementar 315/94, que regulamentou o Solo Criado. Os novos valores das densidades contêm dados sobre a população transitória, considerada como aquela que ocupa postos de trabalho nas diferentes partes da cidade, assim como a densificação gerada pelo Solo Criado. No lote é proposto o indicador índice de aproveitamento, que tem como pressuposto a diversidade e a miscigenação por padrão social.
As UEUs potencializadas pelo Solo Criado são aquelas em que os níveis de adensamento atuais e futuros as colocam abaixo dos patamares máximos estabelecidos para a cidade. O Solo Criado, proposto para 47% da Área de Ocupação Intensiva, tem seu estoque definido em dois patamares correspondentes a 20 e 10 economias por hectare. Estes estão distribuídos, respectivamente, em 15% nos Corredores de Centralidade e 32% nas áreas definidas pelo Modelo Espacial como Corredor de Desenvolvimento, Corredor de Produção, zonas predominantemente residenciais e miscigenadas de diversos níveis.
Como os níveis máximos de adensamento propostos para as UEUs são variáveis, situando-se entre 95 a 135 economias/hectare na área entre o Centro e a 3ª Perimetral e entre 70 a 100 economias/ hectare fora desta área, a densificação gerada pelo Solo Criado apresentará uma variação entre 8% e 30%, sendo mais alta, proporcionalmente, nas áreas com menor densificação e mais baixa nas de maior.
A lei que conceitua e define diretrizes para o Solo Criado estabelece, como capacidade construtiva dos terrenos privados, os índices de aproveitamento do atual 1º PDDU. Entretanto, as definições desta legislação têm sofrido muitas críticas, tanto do ponto de vista dos resultados desejados conforme sua proposição inicial, quanto do seu entendimento e aplicação.
O 1º PDDU pretendeu, na sua política de desenvolvimento e ordenamento do solo, o incentivo à multifuncionalidade em determinadas áreas, classificadas como mistas e comerciais, além da predominância à monofuncionalidade em outras, definidas como residenciais e industriais. Com o passar dos anos, a excessiva especialização das áreas comerciais e industriais produziu efeitos indesejáveis nos seus aspectos de animação e segurança, bem como na forma desequilibrada de utilização da infra-estrutura. Apesar da validade da política de descentralização adotada pelo 1º PDDU, de incentivo a Pólos de Comércio e Serviços pontuais, é bom lembrar o que aconteceu com o Centro principal de Porto Alegre, onde o excesso de atividades comerciais e de serviços consolidou um processo de difícil reversão em termos de uma cidade mais viva e diversificada.
A proposta do 2º PDDUA de índices únicos para as UEUs, com controle da atividade por porte, busca reordenar a ocupação do solo pela miscigenação muito mais da atividade residencial nas zonas comerciais e industriais, que pela atividade comercial e industrial nas zonas residenciais.
De outra parte, o 1º PDDU associado ao Código de Edificações induziu à implantação de apenas algumas tipologias residenciais, como casas isoladas ou em condomínio e prédios. O surgimento de novas formas de habitação gerou conflitos de aprovação de projetos junto aos órgãos públicos municipais. As disposições da legislação contribuíram, muitas vezes, para a utilização de soluções tecnicamente inadequadas. Os denominados "puxados de fundo" da classe média-baixa ou mesmo as casas geminadas em altura representam exemplos deste tipo.
A complexidade aumenta, ainda mais, se introduzirmos questões como a da acessibilidade dos portadores de deficiência física às edificações, bem como características do sítio, incidência de vegetação e redes de serviços públicos ou mesmo questões geológicas e topográficas que levam muitas vezes à proposição de tipologias alternativas. Assim, a quota ideal mínima de terreno por economia, QI, associada à altura de 9,00 metros, é proposta, pelo 2º PDDUA, para a Área Urbana Intensiva, como forma de superar este problema.
Se considerarmos que a edificação de uma casa está associada com baixa densificação, com a busca de maior privacidade e pouca altura, as ocupações que mantiverem estas características poderão ser a ela equiparadas, independente da forma que venham a tomar. Por outro lado, na Área Urbana Extensiva, que se caracteriza por uma baixíssima densidade, dispositivos de controle, como o índice de aproveitamento e o número de economias por hectare, não têm muito significado, sendo utilizados apenas como balizadores nas questões de densidade. O que define de fato a ocupação, neste caso, é o parcelamento do solo.
Para uma proposta de ocupação com características de Cidade Rururbana - denominação do 2º PDDUA para zonas de ocupação rarefeita - parcelamentos com características intensivas, loteamentos e desmembramentos, que reproduzam a cidade urbana constituída por quarteirões, vias e áreas de praças e escolas devem ser desestimulados. Desta forma, propõe-se, a partir de estradas de ligação e de grandes áreas denominadas "quadras rurais", com 20 hectares, seu uso para atividades rurais, condomínios auto-suficientes, hotéis fazenda, clínicas de repouso e pequenos núcleos de moradia rurais, que são algumas das atividades capazes de dar-lhe sustentabilidade econômica e ambiental.
Esta alternativa está apoiada no controle das densidades através da quota ideal mínima de terreno por economia, que neste casos são definidas pelas características dos sítios. Naqueles em que a previsão é buscar um desenvolvimento diversificado - conforme previsto no zoneamento da Cidade Rururbana - o controle da ocupação define um padrão de até 15 habitantes ou 05 economias/hectare, enquanto que nas áreas de Proteção ao Ambiente Natural, previstas com maior restrição à ocupação, define-se, como média, até 7,5 habitantes ou duas economias/hectare. Por último, nas áreas de Desenvolvimento Rural a perspectiva é de uma densidade de dois habitantes ou 0,5 economias/hectare.
Com estes elementos apresentados, esperamos ter contribuído para o debate das questões que interferem na discussão do polêmico tema da densificação em Porto Alegre que, neste momento, associa-se à perspectiva de implementação do Solo Criado e, ainda, à possibilidade de aproveitamento do processo de Reformulação do 1º PDDU para introduzir novos rumos de atuação ao planejamento urbano de nossa cidade.
*ARQUITETA/ COORDENADORA DO GRUPO AVALIAÇÃO DA CAPACIDADE DE ADENSAMENTO DO 2º PDDUA.
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